Crónica de Jorge C Ferreira
A Luz
Os anos a correrem e as meninas a aprenderem. Cavalos brancos levam-nos até a um infinito impossível. A noite que cada vez parece mais perto. Uma escuridão, ou uma explosão de luz. Ninguém sabe. Ninguém nunca contou nada. Parece um segredo bem guardado. Eu penso que é o fim de tudo, mas respeito quem pense o contrário. Os que esperam uma nova vida.
Quando sonho com os meus mais antigos, vejo-os sempre como os conheci. Tenho toda a sua imagem guardada em mim. Não necessito de ver fotografias deles. Nunca vi um fantasma, a não ser, quando era pequeno e alguém punha um lençol pela cabeça para me assustar.
Em pequeno não gostava muito do escuro. Necessitava de luz ou da minha Mãe, ou da minha Avó, as minhas outras luzes. A casa era antiga, as madeiras faziam barulhos, sinais que eu não entendia. Aqueles doze metros de corredor eram uma escapatória para o vazio. Não sei se foi isso que me fez, a partir de certa idade, prolongar as noites. Ficava com pouco tempo para dormir, dormia a correr, o que me obrigava a andar sempre a correr para chegar a horas ao trabalho.
Nunca entendi muito bem, porque consideravam a noite o contrário do dia. Tudo depende da iluminação e do que se faz. Quantas e quantos faziam da noite o seu dia? Várias profissões que nos ajudavam a viver e o “trottoir” que percorria as ruas da cidade. As esquinas alimentadas por um candeeiro que iluminava lantejoulas.
Acho que quando era novo o céu era mais estrelado. Nunca consegui apanhar nenhuma estrela cadente. Aprendi as constelações e pensava muito se tudo acabaria ali, naquela abóbada que parecia estar perto de nós, ou tudo aquilo era o começo de uma imensidão sem fim.
Sabemos agora que tudo o que pensamos é longe do fim de tudo. Um fim que não existe. Ou existirá? Tudo isto é tão esquisito. Talvez por isso eu queria sempre tentar ver o mais longe possível. As estrelas também faziam parte dos meus sonhos. Quem consegue dormir com noites estreladas na cabeça? Uma alucinação permanente. Acordar e não sabermos se saímos de um sonho ou da realidade.
As velas que se acendem à noite. Um ritual que nos acalma. Trazer as estrelas para dentro de casa. Uma outra forma de viver quando sentimos que a escuridão nos quer abraçar. A importância da luz. E se de repente houvesse um apagão total e de duração indefinida?
Os telemóveis parados. As televisões caladas. A internet sem sinal, os elevadores sem funcionar. Nem um rádio se ouve. Sem notícias do mundo nem de nenhum outro lugar. Tudo como se tivéssemos ensurdecido.
Seria o tempo de todos os suicídios. Nem a inteligência artificial nos salvaria. Essa fascinante e ao mesmo tempo aterradora invenção.
A luz das velas. Os ruídos da casa. Uma conversa em surdina. Um gato espantado que não nos larga. Os olhos cansados de um livro que tentamos ler à luz das velas. As letras a crepitarem, os olhos a chorarem.
O dia a querer aparecer.
“Agora queres pôr-nos às escuras? Estás a ficar tolinho de todo.”
Fala de Isaurinda.
«É só especulação. É uma conversa sobre a Luz, a noite e o dia.»
Respondo.
«Olha, tem é tento nessa cabeça.»
De novo Isaurinda e vai, um sorriso trocista.
Jorge C Ferreira Janeiro/2024(421)
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Diz o povo – mais vale tarde do que nunca!
Por entre volteios de obrigações e reflexões, cheguei tarde à tua maravilhosa crónica, que uma vez mais … obrigou-me a olhar o interior dos meus caminhos, por entre luzes ou fumos escuros de um viver constante em sobressaltos de sonhos, razões, e outros corações, que também amaram o meu amor.
Excelente recordar, ainda hoje … onde o traço do ontem, questiona ainda sentires incompletos ou meras dúvidas de luminosidade via janela aberta ou fechada.
Permite-me dizer, que reli em teor de calma os compassos do teu olhar e da tua mente, por entre aferições apelativas.
E a voz de Isaurinda encerra, como sempre, os teus parágrafos em forma de desabafo sempre hilariante, comunicador e para rimar com elos de amor.
Que bom cumprir mais um “estágio” do teu doar via palavra.
Que bom … repito, e “ralho” … continua, por favor!
Grande abraço!
Obrigado José Luís, meu Amigo, Poeta. Longos são os tempos da escuridão. Nós, quanto tempo buscámos a luz? Quando chegámos à estrada da liberdade já éramos homens adultos. Temos de defender a luz da Liberdade. A minha gratidão. Abraço enorme
Maria Matos. 18/01/2024.23.26
Belíssima crónica. A luz, impossível viver sem ela! A nossa infância, o medo do escuro, que provavelmente nos tocou a todos. O apego às nossas estrelas -familiares, mãe, avó, no meu caso irmãs mais velhas!
Como ansiava o amanhecer, que ainda hoje me fascina. A luz do sol .
Fascinou-me esta sua poética cronica, Jorge!
Hoje sem medos, vou dormir a pensar nas estrelas.,por causa desta luminosa escrita!
Obrigada, poeta!
Obrigado Maria Matos. Que bom se sonhar bonito por causa desta crónica. Foi um passeio entre a luz e o escuro. Um exercício ao sabor das palavras que foram nascendo nas minhas mãos. As memórias. Muito grato. Abraço Amigo
Excelente.. Bela viagem pela vida. À procura da luz. A memória da infância e o medo da escuridão, que procura a luz num afago. Noites que parecem dia. Noites de estrelas. Fogueira ao luar. A vida a correr. Perguntas sem resposta. A humanidade a perder o brilho.
Tanto caminho percorrido. Que a luz esteja sempre no horizonte,.
Obrigada Amigo pela partilha de tão belas crónicas com sabor a Poesia.
Grande abraço.
Obrigado Eulália. Que belo e inspirado comentário. Que tenhamos sempre qem nos ilumine. A minha imensa gratidão. Abraço
Tanto que dentro existe e faz viver as horas, os momentos e os instantes que ainda o surpreendem sem nunca esquecer o tempo que foi; toda a infância, adolescência e a idade adulta da consciência. Que seja sempre assim, ter o tempo e a memória em simultâneo com a juventude emocional com que escreve detalhadamente toda uma vivência que caminha lado a lado com a presença da vida como toda uma de muitas estórias que com o tempo é um livro aberto das muitas histórias ainda por contar. Um grande e afectuoso abraço meu amigo, que a mão e a vida o acompanhem nesse caminho que é a sua viagem. Abraço!
Obrigado Cecília. Que reconfortante ler o seu comentário. Um belo texto o seu. Sentir-me lisonjeado com as suas palavras. Muito grato. Abraço Amigo
A infância é a fase mais marcante da nossa vida. Jamais se esquece. A mãe e a avó, eram as nossas estrelas, as mais luminosas, junto delas não havia escuridão. Também fui pequenina e tinha medo. Ainda hoje tenho. Sem luz não se vive.
Depois, não sei como será!
Continuo-o a aproveitar o amanhecer de cada dia e o privilégio de ter um amigo iluminado, que escreve de forma única. Que as estrelas o acompanhem sempre, meu poeta. Abraço enorme.
Obrigado Maria Luiza. É tão bom ler o que me escreveu, minha iluminada Amiga. Acho que não mereço tanto. A minha imensa gratidão. Abraço grande
vim numa corrida até à tua luz.
deixei-me inundar nela
mascarar por ela.
espalhar dentro dela.
entrar eufórica nos seu braços
deixar que me acarinhe. fortaleça. cative.
sobrevivi já a tantas escuridões que agora
apenas a luz me aquieta.
quando era miúda tinha medo do escuro
era um corredor comprido do meu quarto à sala. e eu fazia-o numa maratona.
agora não é que sinta receio. não é que sinta presenças ou me deixe intimidar
mas a luz protege-me e eu nasci num
mês luminoso. um amamentar de claro
junho.
vivi em África. era uma luz tão incandescente e os dias alongavam-se
e alindavam-se. eram cálidos. soprados
por ventos mornos. por tépidas águas
barrentas. por céus de um azul que logo
se fazia negro e encharcava o corpo.
e era aquele cheiro a terra molhada
aquele odor de terra, corpo, água e lama.
e era logo de seguida. num instante curto.
numa rapidez de pestanejar.
um sol de cegar.
o tentar aprisioná-lo com o olhar
aquela gigantesca estrela de luz.
não, nunca fui filha da noite.
apenas a outra metade do dia me energizava.
entregava-me ao dia com uma apaixonada
vontade de o sentir. éramos um do outro.
quando ela chegava.
calada. mágica. senhora de magias poções e encantamentos pedia que me embalasse
adormecia.
gosto de sonhar.
as minhas noites fizeram-se para dormir.
não apenas para amar. o amor não pede
horas.nem idade.nem sexo.ou calendário.
vinhas com a luz a brilhar dentro de ti
acho que és farol.
luminária?
candeia?
ou serás estrela?
poema. certamente já és.
e eu amo a luz que a tua poesia desprende. deixa que seja ave.
uma qualquer.
desde que irradie luz!
Obrigado Mena. Que belo o teu poema. Chegaste e a luz ficou de um brilho incandescente. Um céu de estrelas. A minha profunda gratidão por estares aqui. Abraço enorme.
Uma crónica bela. Um quase poema a dizer e para dizer. Os símbolos apresentados significantes dos medos ( seus e de outros) e raíz de interrogação. O sentido (s) e simultaneamente os não sentidos que os acompanham transportam-nos para o enigma inaugural. ” O Ser e o Nada”. A ” luz” e a ” escuridão “.
Um escrito que nos remete para a vida e para a morte. Num dizer em que ambos desafiam o conteúdo dosdos signos ( e a sua imagem) aprendidos como seu significado. Resgata-os em si numa leitura própria. Um dizer outro. Mas a indagação ( a que não consegue fugir) está ao longo de todo o texto. ” Oscilando ” entre o sentido e o não sentido. Não num divórcio destinado, mas num casamento improvável. Uma ligação ” trans”.
Apela aos contrários, mas também ao contraditório. E neste, de facto, reside uma impossibilidade racional de compreensão de “opostos”.
Um texto onde sentimos, por intermédio das associações ” livres” , o dizer subjetivo do cronista acerca das ” luzes” que o acompanham. Dinâmicas. Tal como os negrumes. ” Dia ” e ” Noite”. Vida e morte. Uma bipolaridade ” erradamente ” definida, pois que se entrelaçam no seu pensamento. Desenleia a dicotomia e apaziua-se ( ou não) restaurando a inquietude ( a ” noite” pode ser “dia” em si; a ” escuridão ” pode ser substituível…); a estranheza e o espanto ( desarmantes) obrigam-no a retornar ( provisória e intermitentemente) a um ” colo” reconhecido e apaziguador.
Um texto de “luz”. Um texto de ( re)encontro.
Obrigado Isabel. Brilhante o seu texto, como sempre. Profundo. Interrogativo. Um caminho espelhado em palavras encantadas. Como um breve coro polifónico. A minha gratidão. Abraço
Olá Jorge!
Eu preciso de luz amigo.
Deus nos livre de um apagão geral sem fim à vista.
SeI, contudo, que algumas pessoas vivem e fazem a sua vida à luz do dia. À noite, restam-lhes as outras estrelas quando as há ou se avistam, as fogueiras ou velas. Algumas, acredito, tomaram essa opção, outras por exclusão (vivem fora do sistema).
Velas para mim só por romantismo, meu amigo.
Desejo-lhe uma semana com muita luz.
Abraço
Obrigado Fernanda. Tentarei que a luz lhe ilumine o caminho que pretende percorrer. Conheço muita gente noctivaga que não dispensa a luz nem que seja um vela ou a chama de uma lareira. A minha gratidão pela sua presença. Abraço Amigo
Bela crónica sobre a luz! A luz tão importante para alguns, que até necessitam dela dia e noite. A mim, o escuro nunca me assustou. Caminhar pela casa às escuras, sempre foi algo que eu fiz. Sem medos, sem hesitação. Costumo dizer que o que está no escuro lá estará quando houver luz. Importante sentir a luz dentro de de nós, iluminando o nosso dia e a nossa noite… E há poemas como os seus que nos iluminam a alma!
Obrigado Margarida. Sábias palavras. Um comentário de luz que caminha no escuro. Brilhante o seu caminhar na escuridão. Grato por tudo. Abraço Amigo
Brilhante a tua crónica Poeta Jorge C Ferreira. Não sei viver sem luz! Um abraço enorme!
Obrigado Claudina. Como gosto de enckntrar aqui as tuas bonitas palavras. A minha imensa gratidão pela tua presença constante. Abraço grande.